Em seu livro de crônicas “O
Trauma Alemão, Experiências e Reflexões 1938-2000” (Ed. Bertrand Brasil, 2007),
a jornalista, escritora e historiadora austríaca de origem húngara Gitta Sereny
(1921-2012) traz uma série de relatos de figuras nazistas e personalidades
ligadas ao período, marcados por profundas reflexões a respeito do que o estudo
dessa catástrofe continua ensinando para a humanidade.
Trata-se exatamente disso: Gitta
Sereny teve a rara habilidade de examinar o seu tempo e extrair de seus
entrevistados o máximo possível de verdade e humanidade ainda que diante de
tanta perversidade.
Apesar de essencial, não é
exatamente um livro fácil de ler.
Um capítulo é particularmente
sombrio, “Os Filhos do Reich” (págs. 330/354), em que o leitor se depara com as
tragédias pessoais de alguns descendentes de expoentes macabros do III Reich,
como os filhos de Reinhard Heydrich e Martin Bormann.
O filho mais velho de Bormann se
chamava Martin Adolf Bormann (1930-2013) e era considerado “o afilhado favorito
de Hitler”.
Os rastros de seu pai se perderam
na madrugada de 2 de maio de 1945, quando o secretário particular do Führer teria sido visto morto ao tentar fugir a pé do bunker de Berlim.
Seus restos mortais foram
finalmente identificados mediante exame de DNA somente em 1998.
No dia em que seu pai morreu, Martin
Adolf Bormann tinha 15 anos de idade e por pouco não se matou junto com 8
pessoas do grupo com o qual estava escondido.
O filho fugiu e foi criado por
uma devota família austríaca, o que o fez abraçar a fé a partir de 1947,
renegando o passado nazista, tornando-se padre católico em 1958 e renunciando ao
sacerdócio em 1971.
No último encontro do grupo de
filhos de nazistas “ilustres” monitorado por um psicólogo israelita, Dan Bar-On
(1938-2008), realizado no final da década de 1980, Martin Adolf deixou seu
alerta (pág. 354):
“Mas acho que
temos que ficar muito atentos”, advertiu Martin Bormann. “Temos de deter
absurdos onde quer que os notemos. No instante em que ouvirmos alguém dizer
algo que ofenda a dignidade humana, quer isso seja contra estrangeiros, tal
como ocorre muito frequentemente agora na Alemanha Ocidental, quer contra
pessoas de outras crenças ou de outra cor, devemos protestar e discutir isso.
Atitudes como essas jamais deverão ser ignoradas. Cerca de 50 anos atrás”,
prosseguiu, “algumas pessoas iniciaram um processo de horrores, mas muitos,
mesmo sabendo disso, toleraram-no. Tudo começou exatamente como agora: com
pichações, piadas vulgares e troca de olhares maliciosos. Então, foram os
judeus; agora, são os turcos e vietnamitas. A discriminação só será detida se
aceitarmos a ideia da responsabilidade pessoal, para que não se permita jamais
que isso fique sem contestação. Acho que isso é nossa obrigação sim, como pais
de nossos filhos”.