"As pessoas cujos
sonhos foram coletados para este livro veem todo o aparato da civilização
moderna sendo posto em movimento, veem como elas mesmas passam a fazer parte
dele, orientando, mudando ou deformando seu próprio comportamento. Ministérios,
postos alfandegários com seus vigias, escolas com seus boletins e exames,
casernas, prisões, os correios ou a central de eletricidade, hospitais e
delegacias, chefes e técnicos... todo esse aparato surge não apenas para
facilitar ou regular o dia a dia moderno, mas também para fazer com que as
pessoas percam sua integridade pessoal. Nos sonhos, mostra-se de forma
angustiante como isso acontece com a ajuda das organizações nazistas. As
pressões para cantar junto, saudar, falar em coro e participar... pressões às
quais as pessoas tentam escapar, à medida que se subjugam a elas. Os próprios
pensamentos são manipulados — adaptando-se ao teor dos ditos propagandísticos
ou sendo totalmente absorvidos por ele. Todas as variantes de obrigação estão
presentes aqui: deste “ter que falar” até “ter que calar-se” — e mesmo a
proibição de sonhar, como última consequência do terror nesse meio que é o
sonho.
O que temos aqui
são sonhos de perseguidos e, sobretudo, daqueles que se adaptaram ou que
queriam se adaptar e não podiam. A pessoa é isolada e, para não desmoronar,
subjuga-se à pressão da conformidade, que lhe permite sobreviver às custas de
sua liberdade interior. Ao se inserir no sistema do absurdo, ela se livra
aparentemente de seu próprio desespero, do desdobramento de personalidade.
Dessa forma, torna-se também possível sobreviver na perversão. Tudo isso é desvendado
pelo sonho: ele não mostra a realidade exterior, como esta se apresenta no dia
a dia, mas sim uma estrutura nela escondida. Os sonhos revelam aquelas forças
propulsoras secretas e a obrigação de se adaptar a partir das quais as ondas de
entusiasmo foram colocadas em movimento, carregando ou arrastando as pessoas na
época. Eles apresentam ao mesmo tempo, sem piedade, uma conta fatal, que não
pode ser paga. Nesse sentido, nossas testemunhas foram verdadeiramente
realistas."
(Reinhart Koselleck, no posfácio do livro “Sonhos no Terceiro Reich” de
Charlotte Beradt, Ed. Três Estrelas, 2017, pág. 176/177)