segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Drauzio Vilella contra os charlatães
O médico Drauzio Vilella disseca o "fenômeno" João de Deus em coluna publicada na Folha de S. Paulo em 23/12/18 e em vídeo publicado no seu canal do Youtube, que pode ser visto mais abaixo:
Charlatães
Todo charlatão que se preza alega receber eflúvios energéticos do além-túmulo. Em busca de alívio para os mais variados males, os crédulos vão até ele.
Basta correr o primeiro boato de que o parente do filho do amigo de algum vizinho sarou ao receber um passe para que a fama do charlatão se espalhe. Em pouco tempo, começam as romarias em sua porta.
Se o espertalhão aprendeu certos truques há mais de um século desmascarados pelos mágicos, como enfiar tesouras em narizes, raspar córneas e fazer cortes superficiais através dos quais retiram falsos tumores sem que os incautos sintam dor ou se deem conta da prestidigitação, os testemunhos de poderes extra-sensoriais correm o mundo.
A credulidade humana não tem nacionalidade nem respeita fronteiras.
Ele se alimenta da insegurança do outro. Apregoa o dom de incorporar “entidades” que mobilizam energias transcendentais, capazes de restabelecer a ordem nas células do organismo enfermo.
Ninguém questiona a natureza dessa energia: cinética, térmica, potencial, atômica? Ninguém estranha por que ela não faz um tapete voar nem ferver a água de um copo.
O prestígio do charlatão é potencializado pelas personagens públicas que consegue atrair. Cada médico, juiz, presidente da República, intelectual ou artista de renome que procura seus serviços atrai publicidade e lhe confere atestado de idoneidade espiritual.
As motivações que levam gente esclarecida a ir atrás do sobrenatural são as mesmas que mobilizam a pessoa mais simplória. Credulidade é condição contagiosa, não respeita escolaridade, posição social, cultura ou talento artístico.
Trato de doentes com câncer há 50 anos. Assisti ao desapontamento de inúmeras famílias que viajaram centenas de quilômetros com seus entes queridos – muitas vezes debilitados – atrás da promessa de curas mágicas que jamais se concretizaram.
A vítima se aproxima do charlatão na esperança de um milagre. Poucos se conformam com a finitude da existência e aceitam as restrições impostas pelas leis da natureza: milagres não existem, são criações do imaginário humano.
Se existissem, em meio século de atividade profissional intensa com pacientes graves, eu teria visto pelo menos um, ainda que fosse uma redução ínfima nas dimensões de uma metástase. Cem por cento das chamadas curas espirituais que tive a oportunidade de avaliar não resistiram à análise racional mais elementar.
Como nem sempre estão bem definidos os limites de separação entre superstições, crendices e religião, quem ousa denunciar as artimanhas do charlatão é tido como contestador da religiosidade alheia e enfrenta a ira popular.
Duvidar da eficácia de suas ações é afrontar a palavra do “enviado de Deus” e as convicções dos fiéis. Tentar convencê-los de que são ludibriados por um malandro que lhes incute esperanças vãs é considerado sacrilégio.
Veja o caso desse cidadão autodenominado João de Deus. Durante décadas iludiu, trapaceou e cortou pessoas com instrumentos inadequados sem o menor cuidado com a esterilização.
Para retirar um ponto cirúrgico de um paciente em meu consultório, preciso de autorização explícita da Anvisa, sem a qual posso ser multado pela fiscalização caso guarde no armário uma pinça e uma tesoura cirúrgica. Tanto rigor com os médicos e permissividade covarde e conivente com esses incorporadores de espíritos.
A menos que tenha mediunidade suficiente para imobilizar vírus e bactérias, quantas infecções locais e transmissões de hepatite B e C, HIV e outras doenças esse curandeiro provocou impunemente?
A sociedade fica chocada ao saber que ele abusou de centenas de mulheres indefesas. Sinceramente, só me surpreendi com o número: esperar comportamento ético de alguém que ficou milionário explorando a boa-fé de milhões de doentes é ingenuidade pueril.
Veja você, caríssima leitora, a situação humilhante da mulher no Brasil: no decorrer de 40 anos, um homem branco e poderoso se aproveita sexualmente de mulheres em situação de vulnerabilidade, sob o olhar complacente de auxiliares que com ele convivem, sem ser denunciado à polícia.
Não fossem os depoimentos apresentados no programa do Pedro Bial, quantas ainda seriam estupradas?
Que sensação de impotência, fragilidade, solidão e vergonha tantas mulheres viveram sem ter como reagir, com medo da opinião pública, acuadas pela influência religiosa e social de um criminoso desprezível.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
segunda-feira, 12 de novembro de 2018
Dietrich Bonhoeffer e a "burrice ostentação"
Dietrich Bonhoeffer foi um pastor e teólogo alemão, nascido em 1906, preso por conspirar contra Hitler, e depois enforcado a mando deste em 9 de abril de 1945, um mês antes do conflito acabar.
Ainda livre, chamou a atenção para a estultícia, a tolice, que aos poucos foi se impregnando num povo tido como sábio e desenvolvido, como é o povo alemão, a ponto de resultar na gigantesca tragédia que foi a Segunda Guerra Mundial, onde o mal parece ter chegado ao seu apogeu na humanidade.
Nada muito diferente da atual fase brasileira, onde a mediocridade impera e a burrice é ostentada como uma espécie de trunfo "cala-boca!" da imbecilidade institucionalizada.
No início do seu cativeiro, em 1943, Bonhoeffer escreveu um texto intitulado "Sobre a tolice" (para acessar o texto completo, clique aqui), em que diz o seguinte:
A tolice é um inimigo mais perigoso do bem do que a maldade. Contra o mal se pode protestar, é possível desmascará-lo, pode-se, em caso de necessidade, impedi-lo com o uso da violência. O mal sempre já traz em si o germe da auto-desagregação, pelo fato de deixar ao menos um mal-estar na pessoa. Contra a tolice não temos defesa. Nada se consegue com protestos nem com violência; argumentos não adiantam; a fatos que contradizem o próprio preconceito não se precisa dar crédito – em tais casos o tolo até mesmo se torna crítico – e se esses fatos são incontornáveis, simplesmente se pode pô-los de lado como casos isolados sem significado. Diferentemente do malvado, o tolo está completamente satisfeito consigo mesmo; ele até mesmo se torna perigoso, pois facilmente se sente provocado e passa à agressão. Por isso, recomenda-se mais cautela em relação ao tolo do que ao mau. Nunca mais tentaremos persuadir o tolo com argumentos; é inútil e perigoso.
(BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão. Ed. Sinodal, 2003)
Hoje, olhando pelo retrovisor da História, ficamos com a impressão de que Bonhoeffer lutou contra um mal muito visível, fácil de identificar, um monstro com enormes garras, que por muito pouco não ceifou todo um país.
Entretanto, a mesma História ensina que nos esquecemos facilmente de que uma série de pequenas permissões e louvações à estultícia de um "salvador da pátria" fez com que uma imensa tragédia se abatesse sobre toda a humanidade, e não só a Alemanha.
Que o Brasil tenha melhor sorte!
terça-feira, 9 de outubro de 2018
"Ser bom" é a tentação que hoje atormenta os evangélicos brasileiros
(Por sua atualidade, revisitamos este tema, que foi publicado originalmente no nosso outro blog O Contorno da Sombra - hoje desativado - em maio de 2011)
Em seu livro "Eichmann em Jerusalém" (Companhia das Letras, 1999), a filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt, com a perspicácia que lhe é peculiar (e que lhe rendeu muitas polêmicas também), consegue captar as nuances que (de)formaram o caráter da população alemã no período do Terceiro Reich, e resume de maneira brilhante a situação do "homem médio" nazista diante da possibilidade de cometer um ato que ele sabia ser criminoso (de acordo com a lei ou o direito natural ou sua consciência) e pecaminoso (de acordo com a religião que professava):
Em seu livro "Eichmann em Jerusalém" (Companhia das Letras, 1999), a filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt, com a perspicácia que lhe é peculiar (e que lhe rendeu muitas polêmicas também), consegue captar as nuances que (de)formaram o caráter da população alemã no período do Terceiro Reich, e resume de maneira brilhante a situação do "homem médio" nazista diante da possibilidade de cometer um ato que ele sabia ser criminoso (de acordo com a lei ou o direito natural ou sua consciência) e pecaminoso (de acordo com a religião que professava):
E assim como a lei de países civilizados pressupõe que a voz da consciência de todo mundo dita "Não matarás", mesmo que o desejo e os pendores do homem natural sejam às vezes assassinos, assim a lei da terra de Hitler ditava à consciência de todos: "Matarás", embora os organizadores dos massacres soubessem muito bem que o assassinato era contra os desejos e os pendores normais da maioria das pessoas. No Terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o reconhecem - a qualidade da tentação. Muitos alemães e muitos nazistas, provavelmente a esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não roubar, a não deixar seus vizinhos partirem para a destruição (pois eles sabiam que os judeus estavam sendo transportados para a destruição, é claro, embora muitos possam não ter sabido dos detalhes terríveis), e a não se tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. Mas Deus sabe como eles tinham aprendido a resistir à tentação.(p. 167)
Não é à toa que o subtítulo do livro de Arendt é "um relato sobre a banalidade do mal".
Retrata uma inversão de valores levada aos extremos mais absolutos entre bem e mal, bondade e maldade, dever e consciência, até chegar ao ponto em que um se converte no outro (e o outro se converte no um) de maneira que o único sentimento válido restante é aquele amalgamado pela ideologia do totalitarismo, personificada na suprema vontade do Führer, que se confunde com a vontade de Deus e a vontade do próprio povo, sobrepondo-se a elas e subvertendo também o ditado popular vox populi vox dei ("a voz do povo é a voz de Deus"), que - curiosamente - é a negação da Bíblia desde que Moisés deixou claro que "não seguirás a multidão para fazeres o mal, nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça" (Êxodo 23:2).
Um dos meios utilizados por Hitler foi aproveitar e exacerbar o preconceito antissemita que já estava introjetado em grande parte da população alemã, e onde existe o preconceito já está lá instalada, também, a predisposição para concretizá-lo e levá-lo às últimas consequências, lamentavelmente.
Mesmo assim, entretanto, o resultado é que a tentação muda de figura, não significando mais fazer o que é moralmente errado ou legalmente proibido, mas (in)justamente o contrário.
Ainda que houvesse farta legislação antijudaica (as famigeradas leis de Nuremberg de 1935), mesmo que a consciência o acusasse, o nazista se sentia compelido a fazer o que era mau e errado.
Na sua deturpada visão de mundo, sentir que deveria fazer o que era bom e correto não passava de uma tentação a ser evitada a todo custo, e o resultado disso, quando não era traduzido em atos monstruosos de aniquilação dos diferentes, foi uma gigantesca omissão coletiva que ajudou a matar milhões de pessoas.
É verdade que houve alguns poucos alemães que mantiveram a lucidez de identificar onde estava o perigo (e boa parte deles morreu lutando contra as forças das trevas), mas esta definição de Hannah Arendt sobre a, digamos, "inversão da tentação" não pode jamais ser esquecida, não só por razões religiosas, mas sobretudo para manter vivo o aprendizado (e o exercício) da democracia e da cidadania contra todos aqueles que querem solapá-las.
(Qualquer semelhança com o atual estado da igreja dita "evangélica" no Brasil, e todo o contexto político e discurso de ódio que a engoliu, não é mera coincidência, infelizmente)
Retrata uma inversão de valores levada aos extremos mais absolutos entre bem e mal, bondade e maldade, dever e consciência, até chegar ao ponto em que um se converte no outro (e o outro se converte no um) de maneira que o único sentimento válido restante é aquele amalgamado pela ideologia do totalitarismo, personificada na suprema vontade do Führer, que se confunde com a vontade de Deus e a vontade do próprio povo, sobrepondo-se a elas e subvertendo também o ditado popular vox populi vox dei ("a voz do povo é a voz de Deus"), que - curiosamente - é a negação da Bíblia desde que Moisés deixou claro que "não seguirás a multidão para fazeres o mal, nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça" (Êxodo 23:2).
Um dos meios utilizados por Hitler foi aproveitar e exacerbar o preconceito antissemita que já estava introjetado em grande parte da população alemã, e onde existe o preconceito já está lá instalada, também, a predisposição para concretizá-lo e levá-lo às últimas consequências, lamentavelmente.
Mesmo assim, entretanto, o resultado é que a tentação muda de figura, não significando mais fazer o que é moralmente errado ou legalmente proibido, mas (in)justamente o contrário.
Ainda que houvesse farta legislação antijudaica (as famigeradas leis de Nuremberg de 1935), mesmo que a consciência o acusasse, o nazista se sentia compelido a fazer o que era mau e errado.
Na sua deturpada visão de mundo, sentir que deveria fazer o que era bom e correto não passava de uma tentação a ser evitada a todo custo, e o resultado disso, quando não era traduzido em atos monstruosos de aniquilação dos diferentes, foi uma gigantesca omissão coletiva que ajudou a matar milhões de pessoas.
É verdade que houve alguns poucos alemães que mantiveram a lucidez de identificar onde estava o perigo (e boa parte deles morreu lutando contra as forças das trevas), mas esta definição de Hannah Arendt sobre a, digamos, "inversão da tentação" não pode jamais ser esquecida, não só por razões religiosas, mas sobretudo para manter vivo o aprendizado (e o exercício) da democracia e da cidadania contra todos aqueles que querem solapá-las.
(Qualquer semelhança com o atual estado da igreja dita "evangélica" no Brasil, e todo o contexto político e discurso de ódio que a engoliu, não é mera coincidência, infelizmente)
sábado, 6 de outubro de 2018
Réquiem para um ex-país
Independentemente da sua crença religiosa e/ou ideológica, ore para que o Senhor tenha misericórdia deste povo tão sofrido e miserável, inclusive quanto àqueles que dizem ser canais de comunicação com o divino e se arvoram - com fingida piedade - no suposto "direito" de indicar (a eles e ao próprio Deus) qual caminho seguir.
Isto depois de terem falhado tão miseravelmente na função de pacificar o ex-Brasil.
Que seja feita a vontade do Senhor, e sejam eleitos aqueles que Ele permitir que sejam escolhidos com o fim de pacificar e resgatar das ruínas este ex-país, sem olhar para os nossos pecados e as nossas preferências políticas de ocasião, tão minúsculas e insignificantes diante da magnitude do desafio que somente o Todo-Poderoso na Sua onisciência pode enfrentar e resolver a contento.
Que seja feita a vontade do Senhor, e sejam eleitos aqueles que Ele permitir que sejam escolhidos com o fim de pacificar e resgatar das ruínas este ex-país, sem olhar para os nossos pecados e as nossas preferências políticas de ocasião, tão minúsculas e insignificantes diante da magnitude do desafio que somente o Todo-Poderoso na Sua onisciência pode enfrentar e resolver a contento.
Peçamos misericórdia ao Senhor com a certeza de que, vença quem vença, perca quem perca, Ele sempre esteve, está e estará no comando da nossa História como indivíduos e como nação.
Apesar de nós...
Que seja feita a Sua vontade soberana!
Prostremo-nos com nosso rosto no pó, talvez ainda haja esperança (Lamentações de Jeremias 3:29)
Misericórdia, Senhor!
Apesar de nós...
Que seja feita a Sua vontade soberana!
Prostremo-nos com nosso rosto no pó, talvez ainda haja esperança (Lamentações de Jeremias 3:29)
Misericórdia, Senhor!
domingo, 30 de setembro de 2018
Suas boas intenções não representam nada diante de Deus
João 8
Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras.
Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se assentou para ensiná-lo.
Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos
e disseram a Jesus: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério.
Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? "
Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo.
Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela".
Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão.
Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele.
Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? "
"Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado".
(João 8:1-11)
A passagem bíblica acima é bastante conhecida e a ênfase sempre recai sobre o "primeiro a atirar pedra nela", sendo ela a mulher adúltera, que não tem nada a ver com Maria Madalena, caso você perpetue e ainda incorra neste erro interpretativo.
(Maria Madalena era a mulher "de quem haviam saído sete demônios" em Lucas 8:2)
No trecho acima, do Evangelho de João, é muito conhecido também o fato de que os mestres da lei e os fariseus queriam deixar Jesus em maus lençóis diante do povo.
Se Ele dissesse que a Lei mosaica deveria ser cumprida (e a mulher apedrejada), anularia sua pregação sobre a graça de Deus; se a absolvesse sumariamente, sem dizer nada, poderiam acusá-lo de descumprir aquela mesma Lei da qual Moisés havia sido canal do Altíssimo para implementá-la.
A solução dada por Jesus espantou a todos, figurada e literalmente falando, e até hoje é cantada em verso e prosa mesmo fora dos arraiais cristãos.
Seu convite para atirar a primeira pedra ainda ressoa como exemplo de sabedoria prática, expondo à luz do sol e de Deus a hipocrisia das presunções humanas supostamente "piedosas" diante da dura realidade da vida.
Uma outra abordagem, entretanto, é possível: quando se está diante de Deus, todas as nossas desculpas, racionalizações, arroubos éticos e boas intenções se esvaem.
Inexoravelmente.
Quando aqueles homens e mulheres se colocaram diante de Jesus, eles não imaginavam que seriam inteiramente despidos de seus fingimentos e reputações para que restasse diante do Senhor apenas a verdade sobre quem eles eram.
De nada lhes adiantou representar um papel religioso publicamente aceitável e socialmente valorizado.
Ficaram nus.
Os mais velhos, primeiro...
E o som das pedras caindo das suas mãos, uma a uma, ecoa por toda a eternidade.
Ninguém consegue resistir diante da Verdade.
sexta-feira, 7 de setembro de 2018
Crentes quânticos
A história é real, mas evitarei identificar as pessoas e as situações para que ninguém se sinta pessoalmente ofendido, já que vou utilizar um exemplo – infelizmente - corriqueiro para, a partir dele, traçar o perfil de toda uma geração que se diz “evangélica”.
O fato é que uma pessoa razoavelmente conhecida no ambiente empresarial, e que se diz “evangélica”, afirmou num certo meio - algum tempo atrás - que “acredita na física quântica”.
Isto sem mencionar Cristo em nenhum momento.
Obviamente, essa suposta “crença na física quântica” já é algo que faz corar qualquer físico digno deste nome, eles próprios já tão envergonhados com o desvio esotérico que Fritjof Capra deu a esta nobre área do conhecimento com o seu “Tao da Física”, só para citar um de seus livros.
Daí porque não nos arriscaremos a abordar este campo do saber, primeiro porque não o dominamos (sequer o arranhamos) e, segundo, porque respeitamos quem o estuda seriamente e não quer confundir alhos com bugalhos, nem partículas com questiúnculas.
Voltando ao primeiro parágrafo, portanto, aquela pessoa ali referida, que tem aparência e linguajar “evangélicos” e “crê na física quântica”, tem uma equipe de “oração” devidamente postada na sua empresa, pronta para “vibrar” qual “partícula quântica” enquanto as vendas são feitas (e parece que a “vibração” funciona).
Sim, o “deus” dessa gente é “tremendo”.
Curiosamente, certos, digamos, “deslizes” como criatividade tributária, palavras não honradas, calotes e outras práticas igualmente pouco ortodoxas são deixadas pra lá.
Melhor não mencioná-los.
O fato é que esta pequena narrativa da vida real revela que esses “evangélicos” atuais estão muito mais preocupados em “vibrar” do que orar.
Assim como a mulher de César, eles precisam – mais do que ser crentes – parecer crentes.
Para tanto, é necessário seguir um certo ritual, vibrar, tremer, gritar e proferir discursos seguindo determinado jargão na linha do pensamento positivo, repetindo mantras gospel e frases pomposas – supostamente piedosos - a fim de que possam ser reconhecidos como os “escolhidos” que, na sua visão enviesada, herdarão esta terra.
(Curioso também perceber que os poucos que ouviram falar da teologia de Calvino o detestam, mas na vida real - e no discurso - se comportam como hipercalvinistas)
E não para por aí.
Outro dia, passando por uma cidade do interior, reparei na – talvez – “missão” que estava escrita abaixo do nome de uma dessas inúmeras denominações que se multiplicam hoje em dia, e lá estava “amar a Deus, amar a vida, amar as pessoas”.
Tivesse esse povo dito “evangélico” praticado a leitura (e vivência) da Bíblia ao invés de apenas “vibrar” e decorar frases feitas, teria lido em uma de suas passagens mais marcantes que o próprio Cristo disse que “aquele que ama a sua vida, a perderá; ao passo que aquele que odeia a sua vida neste mundo, a conservará para a vida eterna” (João 12:25 - NVI).
Em triste resumo, Jesus não seria aceito hoje por aqueles que dizem segui-lO, talvez porque não vibrasse nem pensasse positivo o suficiente para esta gente tão preocupada em “amar a vida” à sua própria maneira.
Tremendo...
sexta-feira, 1 de junho de 2018
Frutos de justiça
“E peço isto: que o vosso amor cresça mais e mais em ciência e em todo o conhecimento,
Para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo;
Cheios dos frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”
(Filipenses 1:9-11)
(Filipenses 1:9-11)
É muito triste ver que - hoje em dia -muitos dos que se dizem cristãos têm interesses materiais e desejos de poder que se sobrepõem ao bom evangelho de Cristo, e são coniventes com a profusão de frutos da injustiça, ao contrário do que recomenda o apóstolo Paulo em Filipenses 1:11.
Não se escandalizam com a miséria, não se solidarizam com os que sofrem, não se condoem com os que choram, não estendem a mão a quem precisa de ajuda.
Não praticam a misericórdia...
Aceitam passivamente a injustiça, a miséria e a exploração desumana do homem pelo homem como subprodutos incontornáveis da sociedade em que estão inseridos.
Desta maneira, ser cheio de "frutos de justiça", condição que Paulo caracteriza como sinal identificador do cristão, é algo que não se prega e muito menos se vive.
E esta não é uma "invenção paulina"...
O próprio Salvador, referindo-se àqueles que O seguiriam, fez questão de frisar que "pelos seus frutos os conhecereis..." (Mateus 7:16, 20-21).
A Bíblia na Linguagem de Hoje traduz Filipenses 1:11 da seguinte forma: "A vida de vocês estará cheia das boas qualidades que só Jesus Cristo pode produzir, para a glória e o louvor de Deus", indicando em nota de rodapé que chama de "boas qualidades" o fruto do Espírito Santo (Gálatas 5:22-23). A Bíblia de Estudo Wiersbe (NVI) explica o versículo da seguinte maneira:
"A diferença entre frutos espirituais e 'atividades religiosas' é que os primeiros trazem glória a Jesus Cristo.Toda vez que fazemos alguma coisa com a nossa força, temos a tendência de nos vangloriar dela.Os verdadeiros frutos espirituais são tão bonitos e maravilhosos que ninguém pode reivindicar o crédito por eles; a glória deve ir somente para Deus"
Uma imersão no texto bíblico permite concluir, entretanto, que "fruto de justiça" seja traduzido exatamente pelo que ele significa à primeira vista: obras de justiça, ou seja, a situação de quem se indigna com a injustiça e trabalha para vencê-la e superá-la na prática do dia-a-dia.
Tiago, em seu estilo direto de pregar sem meias-palavras, ensina que “Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça para os que promovem a paz” (Tiago 3:18 - ARA), cujo trecho final a versão ARC traduz "para os que exercitam a paz".
No Velho Testamento, a referência a "frutos de justiça" não é diferente.
Amós, o profeta conhecido por sua crítica feroz da injustiça social que assolava a sociedade israelita de sua época (século VIII a.C.), questiona: “Porventura correrão cavalos sobre rocha? Lavrar-se-á nela com bois? Mas vós haveis tornado o juízo em fel, e o fruto da justiça em alosna;” (Amós 6:12 - ARC), cuja frase final a NVI verte por "Mas vocês transformaram o direito em veneno, e o fruto da justiça em amargura".
Vale muito a pena ler o capítulo 32 de Isaías na íntegra.
Perceba que, neste capítulo messiânico, não se "romantiza" a miséria, o grande profeta faz uma forte crítica social e diz a partir do versículo 15:
até que sobre nós o Espírito seja derramado do alto, e o deserto se transforme em campo fértil, e o campo fértil pareça uma floresta.A justiça habitará no deserto, e a retidão viverá no campo fértil.O fruto da justiça será paz; o resultado da justiça será tranqüilidade e confiança para sempre.
(Isaías 32:15-17)
É de se estranhar, portanto, que os cristãos do século XXI tenham uma visão pasteurizada da sociedade em que vivem e não ajam efetivamente para combater a miséria não só espiritual dos seus concidadãos.
Orientação e exemplos para tanto não lhes faltam...
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