Um dos massacres (pogroms) mais perversos
e emblemáticos da Segunda Guerra Mundial ocorreu na cidade de Jassy (“Iași” –
se pronuncia “iáshi”), na Romênia.
Pogrom é a transliteração
da palavra originada do russo погром, que se incorporou ao léxico de todos os
idiomas mais falados do planeta, e que significa a perseguição violenta e
deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovada, tolerada ou incentivada
pelas autoridades locais, especialmente contra os judeus.
Sinônimo de genocídio, portanto.
A maldade alcançou magnitude tão
inimaginável no pogrom de Iași que nem os animais — no caso os cachorros —
conseguiram lidar com tamanho terror.
A Romênia era aliada da Alemanha nazista, e o general Ion Victor Antonescu (1882-1946), inicialmente seu
primeiro-ministro desde 1940, depois ditador ("conducător", que quer
dizer “condutor”), enviou as tropas romenas para se aliarem às alemãs na invasão
da União Soviética lançada na madrugada de 22 de junho de 1941 e que ficou
conhecida como “Operação Barbarossa”.
Houve uma resistência inicial do
exército vermelho estacionado na então limítrofe república soviética da
Moldávia, que bombardeou a cidade fronteiriça romena de Iași, onde havia muitos
grupos fascistas e antissemitas.
A retaliação das autoridades e da
população local contra os judeus foi imediata, acusando-os de serem “traidores
comunistas”.
Há testemunho de sobrevivente em
vídeo de que — um dia antes do início do massacre — foram distribuídos folhetos
com a frase “judeu bom é judeu morto”.
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Judeus sendo conduzidos à morte pelas ruas de Iași |
O pogrom de Iași ocorreu entre os
dias 28 de junho e 6 de julho de 1941, tornando-se um dos primeiros atos abomináveis
do holocausto judeu que ceifou milhões de vidas e horrorizou o mundo.
Estima-se que dos 728 mil romenos
judeus (4% do total da população) antes da guerra, pelo menos 270 mil foram
exterminados naquele período tenebroso, e não só por alemães nazistas.
No pós-guerra, Antonescu foi
julgado, condenado à morte e executado por fuzilamento no dia 1º de junho de
1946, por crimes como o genocídio iniciado em Iași, descrito com tintas fortes
por Mark Mazower em seu livro “O Império de Hitler”:
Na véspera da Barbarossa,
Antonescu encontrou-se outra vez com Hitler, e pouco depois organizou unidades
especiais para instigar a limpeza étnica na região norte do país. Em
particular, deu instruções específicas ao Exército e ao Ministério do Interior
para organizar a “evacuação” de 45 mil judeus na cidade fronteiriça de Jassy, e
as preparações, baseadas em eventos semelhantes mas de menor escala do ano
anterior, logo foram concluídas. As portas das casas dos cristãos na cidade
foram marcadas com uma cruz para ser diferenciadas, e espalharam-se rumores
intencionais de que paraquedistas soviéticos haviam pousado na cidade. Quando o
pogrom eclodiu, na noite de 28 para 29 de junho, soldados, policiais, guardas e
centenas de civis invadiram as ruas, arrombando casas e levando os moradores
presos para o quartel-general da polícia. Muitos judeus forma atacados e mortos
no local, mulheres foram estupradas. Mais de mil foram fuzilados no interior do
quartel-general da polícia quando os alemães abriram fogo a esmo. Alguns dos
sobreviventes foram espancados e torturados antes de ser tangidos para vagões
sem ventilação, excedendo a capacidade em três vezes, entre corpos vivos e
mortos. Enquanto o trem transportava lentamente sua carga humana pelas
planícies no calor do verão, mais de 2700 morreram de desidratação, com os
corpos sendo jogados em plataformas de estações ou nos campos. Ao todo, entre
13 mil e 15 mil pessoas morreram.
O jornalista italiano Curzio
Malaparte, que por acaso estava em visita a Jassy na época, acordou na manhã
seguinte:
Fui até a
janela e olhei para a rua Lapusneanu. Espalhados por ali havia corpos humanos
em estranhas posições. Os bueiros estavam cobertos de cadáveres amontoados uns
sobre os outros. Centenas de corpos estavam jogados no pátio da igreja. Bandos
de cães rodeavam, ressabiados, farejando os mortos à procura de seus donos;
pareciam cheios de pena e respeito; moviam-se em torno daqueles pobres
cadáveres com delicadeza, como se não quisessem pisar naqueles rostos
sanguinolentos ou naquelas mãos rígidas. Equipes de judeus, vigiados por
soldados e policiais armados de metralhadoras, faziam o trabalho de por os
corpos para um dos lados, abrindo o meio da estrada e empilhando os cadáveres
ao longo das paredes para liberar o tráfego. Caminhões alemães e romenos
carregados de corpos continuavam partindo. Uma criança morta estava sentada na
calçada perto da lustrageria, as costas apoiadas na parede e a cabeça
caída no ombro [...] A estrada estava atulhada de gente — hordas de soldados e
policiais, grupos de homens e mulheres e bandos de ciganos de cabelos longos e
anelados conversavam entre si divertida e ruidosamente enquanto pilhavam os
mortos, erguendo-os, rolando-os, virando-os de lado para tirar seus casacos,
calças e roupas de baixo; pés eram prensados sobre barrigas mortas para ajudar
a arrancar os sapatos; pessoas acorriam para participar do butim; outros se
afastavam com pilhas de vestuário nos braços. Era um alvoroço alegre, uma
ocasião feliz, uma festa e um mercado, tudo ao mesmo tempo.
(Mark
Mazower, “O Império de Hitler”, Ed. Companhia das Letras, 2013, págs. 396/397)
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Execução do general-ditador Ion Antonescu |