quarta-feira, 7 de junho de 2023

Discursos tóxicos

 


O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. Costuma-se considerar como meramente estética e inofensiva a citação de Schiller sobre von der gebildeten Sprache, die für dich dichtet und denkt [a língua culta, que poetiza e pensa por ti]. Um verso bem redigido, em uma “língua culta”, não pode ser aceito como prova suficiente da força poética do autor. Em uma língua assim, não é difícil adotar uma aura de poeta ou pensador.

Mas a língua não se contenta em poetizar e pensar por mim. Também conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. O que acontece se a língua culta tiver sido constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar. Se, por longo tempo, alguém emprega o termo “fanático” no lugar de “heroico e virtuoso”, ele acaba acreditando que um fanático é mesmo um herói virtuoso, e que sem fanatismo não é possível ser herói. As palavras fanático e fanatismo não foram criadas pelo Terceiro Reich, mas ele lhes adulterou o sentido; em um só dia elas eram empregadas mais do que em qualquer outra época.

(Victor Klemperer, em “LTI – A Linguagem do Terceiro Reich”, Ed. Contraponto, 2009, págs. 55/56)


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