O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. Costuma-se considerar como meramente estética e inofensiva a citação de Schiller sobre von der gebildeten Sprache, die für dich dichtet und denkt [a língua culta, que poetiza e pensa por ti]. Um verso bem redigido, em uma “língua culta”, não pode ser aceito como prova suficiente da força poética do autor. Em uma língua assim, não é difícil adotar uma aura de poeta ou pensador.
Mas a língua não se contenta em poetizar e pensar por mim.
Também conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural
quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. O que acontece se a língua
culta tiver sido constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras
podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira
despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se
faz notar. Se, por longo tempo, alguém emprega o termo “fanático” no lugar de
“heroico e virtuoso”, ele acaba acreditando que um fanático é mesmo um herói
virtuoso, e que sem fanatismo não é possível ser herói. As palavras fanático e
fanatismo não foram criadas pelo Terceiro Reich, mas ele lhes adulterou o
sentido; em um só dia elas eram empregadas mais do que em qualquer outra época.
(Victor Klemperer, em “LTI – A Linguagem do Terceiro Reich”,
Ed. Contraponto, 2009, págs. 55/56)