segunda-feira, 7 de julho de 2025

Patriotismo e partidarismo, por C. S. Lewis


    A guerra deixará de absorver a nossa total atenção, porque se trata de um objeto finito e, por isso, intrinsecamente inadequado para suportar toda a atenção de uma alma humana. Para evitar mal-entendidos, é preciso fazer algumas distinções aqui. Acredito que a nossa causa é muito justa, como costuma acontecer com as causas humanas, e isso me faz acreditar que seja o nosso dever participar dessa guerra. Todo dever é um dever religioso, e nossa obrigação de desempenhar esse dever é absoluta. Assim, pode até ser um dever salvar uma pessoa que esteja se afogando e, quem sabe, se vivemos em uma praia perigosa, devemos nos preparar para o ofício de salva-vidas, de modo que estejamos prontos caso apareça alguém se afogando. Quem sabe tenhamos até que perder a nossa própria vida para salvá-lo. Mas, se um dia alguém se devotasse ao ofício de salvar vidas no sentido de dedicar-se totalmente a isso – de modo que não pensasse ou falasse de outra coisa, ou exigisse que todas as demais atividades humanas cessassem até que todas as pessoas aprendessem a nadar -, ele seria um maníaco obsessivo. Assim, salvar a vida de pessoas do afogamento é um dever pelo qual vale a pena morrer, mas não para o qual valha a pena viver. Tudo indica que os deveres políticos (entre os quais eu incluiria os deveres militares) sejam desse tipo. Uma pessoa pode ter que morrer pelo seu país, mas ninguém precisa viver pelo seu país em um sentido exclusivo. Aquele que se entrega sem reservas aos apelos temporais de uma nação, de um partido, ou de uma classe, está dando a César algo que, de maneira mais do que enfática, pertence a Deus: está dando a si mesmo. 

(C. S. Lewis comentando sobre a Segunda Guerra Mundial em “O Peso da Glória” (The Weigh of Glory), citado em “Um Ano com C. S. Lewis”, Ed. Ultimato, 2005, p. 281)

            

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Superioridade moral e ideologia


por Tomáš Halík, padre católico tcheco (“Toque as Feridas”, Ed. Vozes, 2016, pág. 132/133):

Aquele idealismo moral e o rigorismo moral, que dele resulta, aquelas expectativas exageradas e exigências excessivamente duras, porém, causam muitas vezes frustração, enfado e resignação. Quem se satisfaz apenas com o melhor não preza o bom; quem se satisfaz apenas com um parceiro ideal não preza aquele que tem; muitas vezes, o relacionamento, que poderia ser bom, se transforma em um inferno de acusações e decepções ininterruptas, e, muito provavelmente, ele não persistirá.

Os tchecos aplicam os altos padrões hussitas não só à Igreja (para então chegarem à conclusão inevitável que a Igreja, por não ser ideal, não presta para nada), mas também à política. Sem querer defender uma postura acrítica ou a desistência de reivindicações e princípios fundamentais, mas quando ouço nos bares aquela lamentação permanente e generalizante, não diferenciada sobre tudo e todos na política democrática, eu fico um pouco sem jeito. Encontramos esse choro já na publicidade da primeira república, na jovem democracia da Tchecoslováquia, e aqueles lamentos se parecem muito com os de hoje. Não surpreende, portanto, que os tchecos resistiram tão pouco quando, nos anos do pós-guerra, aos poucos lhes foram roubando a liberdade e a democracia até que, no início da década de 1950, nada mais lhes restava (situação esta que permaneceria durante meio século). Não surpreende também que os mais diversos restos de preconceitos, injúrias e ressentimentos contra a democracia e a Igreja, que, desde os tempos do totalitarismo, sobreviveram nas cabeças de tantas pessoas (também daquelas que hoje se distanciam claramente do comunismo) — e às quais todos os erros inegáveis da democracia e da Igreja — dos quais sempre existiram, existem e existirão muitos — servem apenas como um argumento bem-vindo para seus julgamentos generalizantes e, por isso, injustos.