segunda-feira, 7 de julho de 2025
Patriotismo e partidarismo, por C. S. Lewis
terça-feira, 14 de janeiro de 2025
Superioridade moral e ideologia
Aquele idealismo moral e o rigorismo moral, que dele
resulta, aquelas expectativas exageradas e exigências excessivamente duras,
porém, causam muitas vezes frustração, enfado e resignação. Quem se satisfaz
apenas com o melhor não preza o bom; quem se satisfaz apenas com um parceiro
ideal não preza aquele que tem; muitas vezes, o relacionamento, que poderia ser
bom, se transforma em um inferno de acusações e decepções ininterruptas, e,
muito provavelmente, ele não persistirá.
Os tchecos aplicam os altos padrões hussitas não só à Igreja
(para então chegarem à conclusão inevitável que a Igreja, por não ser ideal,
não presta para nada), mas também à política. Sem querer defender uma postura
acrítica ou a desistência de reivindicações e princípios fundamentais, mas
quando ouço nos bares aquela lamentação permanente e generalizante, não
diferenciada sobre tudo e todos na política democrática, eu fico um pouco sem
jeito. Encontramos esse choro já na publicidade da primeira república, na jovem
democracia da Tchecoslováquia, e aqueles lamentos se parecem muito com os de
hoje. Não surpreende, portanto, que os tchecos resistiram tão pouco quando, nos
anos do pós-guerra, aos poucos lhes foram roubando a liberdade e a democracia
até que, no início da década de 1950, nada mais lhes restava (situação esta que
permaneceria durante meio século). Não surpreende também que os mais diversos
restos de preconceitos, injúrias e ressentimentos contra a democracia e a
Igreja, que, desde os tempos do totalitarismo, sobreviveram nas cabeças de
tantas pessoas (também daquelas que hoje se distanciam claramente do comunismo)
— e às quais todos os erros inegáveis da democracia e da Igreja — dos quais
sempre existiram, existem e existirão muitos — servem apenas como um argumento
bem-vindo para seus julgamentos generalizantes e, por isso, injustos.
domingo, 23 de junho de 2024
Ver Deus x Conhecer Deus, segundo Orígenes
8. Essas afirmações talvez tenham menos autoridade junto daqueles que querem ser instruídos nas coisas divinas a partir das Santas Escrituras, e que nelas procuram a prova da maneira pela qual a natureza de Deus está tão acima da natureza dos corpos. Vejamos se o Apóstolo não diz a mesma coisa, quando fala de Cristo, ao dizer: “aquele que é a imagem do Deus invisível, o primeiro de toda a criação” (Cl 1,15). Isso não quer dizer, como pensam alguns, que a natureza de Deus é visível para um e invisível para os outros; com efeito, o Apóstolo não diz “a imagem do Deus invisível” para os homens, ou invisível para os pecadores, mas coloca uma afirmação absolutamente invariável acerca da natureza própria de Deus, quando diz: “imagem do Deus invisível”. E quando João, no Evangelho, diz: “Nunca ninguém viu Deus” (Jo 1,18), mostra, claramente, a todos os que são capazes de compreender, que não existe nenhuma natureza para a qual Deus seja visível; não no sentido em que seria visível por natureza, porém escapasse da vista da criatura, ultrapassando-a, por causa da fraqueza desta, mas porque, pela sua natureza, não pode ser visto. Se me perguntam o que penso a respeito do próprio unigênito, e se eu disser que também para ele a natureza de Deus não é visível, ela que é invisível por natureza, não se deve logo considerar essa opinião como ímpia ou absurda, e vamos oferecer uma explicação coerente. Ver é uma coisa, conhecer é outra; ser visto e ver é coisa própria dos corpos, ser conhecido e conhecer é da natureza intelectual; assim, tudo o que é próprio dos corpos não deve ser pensado a respeito do Pai e do Filho; mas o que pertence à natureza da divindade é o que está presente nas relações entre o Pai e o Filho. O Evangelho não diz: “Ninguém viu o Pai a não ser o Filho e ninguém viu o Filho a não ser o Pai”, mas disse: “Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, nem o Pai a não ser o Filho” (Mt 11,27). Isso indica claramente que o que, para as naturezas corporais e para as suas mútuas relações chamamos ver e ser visto, diz-se, para o Pai e o Filho, conhecer e ser conhecido, pelo poder do conhecimento e não pela fragilidade da visão. Por isso, não podemos falar propriamente de ver e ser visto a propósito da natureza incorporal e invisível, e por essa razão não se diz no Evangelho que o Pai é visto pelo Filho nem o Filho pelo Pai, mas que é conhecido.
9. Se alguém
nos pergunta por que é que se diz: “Felizes os corações puros, porque eles verão
a Deus” (Mt 5,8), parece que a nossa asserção ficará assim mais firme ainda,
porque “ver Deus pelo coração” não é justamente compreender e conhecer pela
mente, como acabamos de expor? Muitas vezes, de fato os nomes dos membros
sensíveis são relacionados com a alma; assim, se diz “ver pelos olhos do
coração” (Ef 1,18), é ter a intuição de uma coisa intelectual pelo poder da
inteligência. Do mesmo modo, fala-se de escutar com os ouvidos quando se
percebe um sentido intelectual mais profundo. Dizemos ainda que a inteligência
pode servir de dentes, quando ela mastiga e come “o pão da vida que desce do
céu” (Jo 6,33-51). De modo semelhante, diz-se que ela recorre aos serviços dos
outros membros, que se atribuem às faculdades da alma por uma transição da sua
aplicação corporal, como diz Salomão: “Encontrarás o sentido divino” (Pr 2,5).
Com efeito, ele sabia que em nós existem dois gêneros de sentido: um é o dos
sentidos mortais, corruptíveis, humanos, e o outro é o dos imortais e
intelectuais, o sentido que aqui chamei de “divino”. Eis, portanto, o sentido
divino, não dos olhos, mas do “coração puro”, isto é, da mente, graças ao qual
Deus pode ser visto por aqueles que são dignos. Podem-se encontrar em
abundância em todos os escritos do Novo e do Antigo Testamento exemplos do
termo coração utilizado como mente, isto é, a faculdade intelectual.
Compreendendo, portanto, assim a natureza divina, de um modo sem dúvida muito
inferior ao que conviria, por causa da fraqueza da inteligência humana, vejamos
agora o que quer dizer o nome de Cristo.
(Orígenes, “Tratado sobre os Princípios”, São Paulo: Paulus, 2012, págs. 67-69)
terça-feira, 5 de setembro de 2023
Sonhos perigosos
"As pessoas cujos
sonhos foram coletados para este livro veem todo o aparato da civilização
moderna sendo posto em movimento, veem como elas mesmas passam a fazer parte
dele, orientando, mudando ou deformando seu próprio comportamento. Ministérios,
postos alfandegários com seus vigias, escolas com seus boletins e exames,
casernas, prisões, os correios ou a central de eletricidade, hospitais e
delegacias, chefes e técnicos... todo esse aparato surge não apenas para
facilitar ou regular o dia a dia moderno, mas também para fazer com que as
pessoas percam sua integridade pessoal. Nos sonhos, mostra-se de forma
angustiante como isso acontece com a ajuda das organizações nazistas. As
pressões para cantar junto, saudar, falar em coro e participar... pressões às
quais as pessoas tentam escapar, à medida que se subjugam a elas. Os próprios
pensamentos são manipulados — adaptando-se ao teor dos ditos propagandísticos
ou sendo totalmente absorvidos por ele. Todas as variantes de obrigação estão
presentes aqui: deste “ter que falar” até “ter que calar-se” — e mesmo a
proibição de sonhar, como última consequência do terror nesse meio que é o
sonho.
O que temos aqui
são sonhos de perseguidos e, sobretudo, daqueles que se adaptaram ou que
queriam se adaptar e não podiam. A pessoa é isolada e, para não desmoronar,
subjuga-se à pressão da conformidade, que lhe permite sobreviver às custas de
sua liberdade interior. Ao se inserir no sistema do absurdo, ela se livra
aparentemente de seu próprio desespero, do desdobramento de personalidade.
Dessa forma, torna-se também possível sobreviver na perversão. Tudo isso é desvendado
pelo sonho: ele não mostra a realidade exterior, como esta se apresenta no dia
a dia, mas sim uma estrutura nela escondida. Os sonhos revelam aquelas forças
propulsoras secretas e a obrigação de se adaptar a partir das quais as ondas de
entusiasmo foram colocadas em movimento, carregando ou arrastando as pessoas na
época. Eles apresentam ao mesmo tempo, sem piedade, uma conta fatal, que não
pode ser paga. Nesse sentido, nossas testemunhas foram verdadeiramente
realistas."
(Reinhart Koselleck, no posfácio do livro “Sonhos no Terceiro Reich” de
Charlotte Beradt, Ed. Três Estrelas, 2017, pág. 176/177)
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Martele! Martele!
"Caberia perguntar se essa
insistência constante na infâmia e na inferioridade dos judeus, essa
hostilidade contra eles, não tenderia a provocar um efeito atenuante e
contraditório. A pergunta poderia logo ser ampliada para incluir o valor e a
durabilidade de toda a propaganda de Goebbels. Poderia gerar outra dúvida: um
questionamento ao pensamento nazista no campo da psicologia de massas. Mein Kampf, de Hitler, insiste
em afirmar a necessidade de manter a massa na ignorância e explica claramente
como intimidá-la contra qualquer reflexão. Um dos principais recursos para isso
é martelar sempre, repetidamente, as mesmas teorias simplistas que não podem
ser rebatidas. Quantas partes da alma do intelectual (sempre isolado) também
pertencem às massas que o cercam!"
(Victor Klemperer, em “LTI – A
Linguagem do Terceiro Reich”, Ed. Contraponto, 2009, pág. 280)
quarta-feira, 7 de junho de 2023
Discursos tóxicos
O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. Costuma-se considerar como meramente estética e inofensiva a citação de Schiller sobre von der gebildeten Sprache, die für dich dichtet und denkt [a língua culta, que poetiza e pensa por ti]. Um verso bem redigido, em uma “língua culta”, não pode ser aceito como prova suficiente da força poética do autor. Em uma língua assim, não é difícil adotar uma aura de poeta ou pensador.
Mas a língua não se contenta em poetizar e pensar por mim.
Também conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural
quanto mais eu me entregar a ela inconscientemente. O que acontece se a língua
culta tiver sido constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras
podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira
despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se
faz notar. Se, por longo tempo, alguém emprega o termo “fanático” no lugar de
“heroico e virtuoso”, ele acaba acreditando que um fanático é mesmo um herói
virtuoso, e que sem fanatismo não é possível ser herói. As palavras fanático e
fanatismo não foram criadas pelo Terceiro Reich, mas ele lhes adulterou o
sentido; em um só dia elas eram empregadas mais do que em qualquer outra época.
(Victor Klemperer, em “LTI – A Linguagem do Terceiro Reich”,
Ed. Contraponto, 2009, págs. 55/56)
quinta-feira, 27 de abril de 2023
Herança e tolerância
Em seu livro de crônicas “O
Trauma Alemão, Experiências e Reflexões 1938-2000” (Ed. Bertrand Brasil, 2007),
a jornalista, escritora e historiadora austríaca de origem húngara Gitta Sereny
(1921-2012) traz uma série de relatos de figuras nazistas e personalidades
ligadas ao período, marcados por profundas reflexões a respeito do que o estudo
dessa catástrofe continua ensinando para a humanidade.
Trata-se exatamente disso: Gitta
Sereny teve a rara habilidade de examinar o seu tempo e extrair de seus
entrevistados o máximo possível de verdade e humanidade ainda que diante de
tanta perversidade.
Apesar de essencial, não é
exatamente um livro fácil de ler.
Um capítulo é particularmente
sombrio, “Os Filhos do Reich” (págs. 330/354), em que o leitor se depara com as
tragédias pessoais de alguns descendentes de expoentes macabros do III Reich,
como os filhos de Reinhard Heydrich e Martin Bormann.
O filho mais velho de Bormann se
chamava Martin Adolf Bormann (1930-2013) e era considerado “o afilhado favorito
de Hitler”.
Os rastros de seu pai se perderam
na madrugada de 2 de maio de 1945, quando o secretário particular do Führer teria sido visto morto ao tentar fugir a pé do bunker de Berlim.
Seus restos mortais foram
finalmente identificados mediante exame de DNA somente em 1998.
No dia em que seu pai morreu, Martin
Adolf Bormann tinha 15 anos de idade e por pouco não se matou junto com 8
pessoas do grupo com o qual estava escondido.
O filho fugiu e foi criado por
uma devota família austríaca, o que o fez abraçar a fé a partir de 1947,
renegando o passado nazista, tornando-se padre católico em 1958 e renunciando ao
sacerdócio em 1971.
No último encontro do grupo de
filhos de nazistas “ilustres” monitorado por um psicólogo israelita, Dan Bar-On
(1938-2008), realizado no final da década de 1980, Martin Adolf deixou seu
alerta (pág. 354):
“Mas acho que
temos que ficar muito atentos”, advertiu Martin Bormann. “Temos de deter
absurdos onde quer que os notemos. No instante em que ouvirmos alguém dizer
algo que ofenda a dignidade humana, quer isso seja contra estrangeiros, tal
como ocorre muito frequentemente agora na Alemanha Ocidental, quer contra
pessoas de outras crenças ou de outra cor, devemos protestar e discutir isso.
Atitudes como essas jamais deverão ser ignoradas. Cerca de 50 anos atrás”,
prosseguiu, “algumas pessoas iniciaram um processo de horrores, mas muitos,
mesmo sabendo disso, toleraram-no. Tudo começou exatamente como agora: com
pichações, piadas vulgares e troca de olhares maliciosos. Então, foram os
judeus; agora, são os turcos e vietnamitas. A discriminação só será detida se
aceitarmos a ideia da responsabilidade pessoal, para que não se permita jamais
que isso fique sem contestação. Acho que isso é nossa obrigação sim, como pais
de nossos filhos”.
quarta-feira, 1 de março de 2023
Quando até os animais se desorientam diante da perversidade humana
Um dos massacres (pogroms) mais perversos e emblemáticos da Segunda Guerra Mundial ocorreu na cidade de Jassy (“Iași” – se pronuncia “iáshi”), na Romênia.
Pogrom é a transliteração
da palavra originada do russo погром, que se incorporou ao léxico de todos os
idiomas mais falados do planeta, e que significa a perseguição violenta e
deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovada, tolerada ou incentivada
pelas autoridades locais, especialmente contra os judeus.
Sinônimo de genocídio, portanto.
A maldade alcançou magnitude tão
inimaginável no pogrom de Iași que nem os animais — no caso os cachorros —
conseguiram lidar com tamanho terror.
A Romênia era aliada da Alemanha nazista, e o general Ion Victor Antonescu (1882-1946), inicialmente seu
primeiro-ministro desde 1940, depois ditador ("conducător", que quer
dizer “condutor”), enviou as tropas romenas para se aliarem às alemãs na invasão
da União Soviética lançada na madrugada de 22 de junho de 1941 e que ficou
conhecida como “Operação Barbarossa”.
Houve uma resistência inicial do
exército vermelho estacionado na então limítrofe república soviética da
Moldávia, que bombardeou a cidade fronteiriça romena de Iași, onde havia muitos
grupos fascistas e antissemitas.
A retaliação das autoridades e da
população local contra os judeus foi imediata, acusando-os de serem “traidores
comunistas”.
Há testemunho de sobrevivente em
vídeo de que — um dia antes do início do massacre — foram distribuídos folhetos
com a frase “judeu bom é judeu morto”.
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Judeus sendo conduzidos à morte pelas ruas de Iași |
O pogrom de Iași ocorreu entre os
dias 28 de junho e 6 de julho de 1941, tornando-se um dos primeiros atos abomináveis
do holocausto judeu que ceifou milhões de vidas e horrorizou o mundo.
Estima-se que dos 728 mil romenos judeus (4% do total da população) antes da guerra, pelo menos 270 mil foram exterminados naquele período tenebroso, e não só por alemães nazistas.
No pós-guerra, Antonescu foi
julgado, condenado à morte e executado por fuzilamento no dia 1º de junho de
1946, por crimes como o genocídio iniciado em Iași, descrito com tintas fortes
por Mark Mazower em seu livro “O Império de Hitler”:
Na véspera da Barbarossa, Antonescu encontrou-se outra vez com Hitler, e pouco depois organizou unidades especiais para instigar a limpeza étnica na região norte do país. Em particular, deu instruções específicas ao Exército e ao Ministério do Interior para organizar a “evacuação” de 45 mil judeus na cidade fronteiriça de Jassy, e as preparações, baseadas em eventos semelhantes mas de menor escala do ano anterior, logo foram concluídas. As portas das casas dos cristãos na cidade foram marcadas com uma cruz para ser diferenciadas, e espalharam-se rumores intencionais de que paraquedistas soviéticos haviam pousado na cidade. Quando o pogrom eclodiu, na noite de 28 para 29 de junho, soldados, policiais, guardas e centenas de civis invadiram as ruas, arrombando casas e levando os moradores presos para o quartel-general da polícia. Muitos judeus forma atacados e mortos no local, mulheres foram estupradas. Mais de mil foram fuzilados no interior do quartel-general da polícia quando os alemães abriram fogo a esmo. Alguns dos sobreviventes foram espancados e torturados antes de ser tangidos para vagões sem ventilação, excedendo a capacidade em três vezes, entre corpos vivos e mortos. Enquanto o trem transportava lentamente sua carga humana pelas planícies no calor do verão, mais de 2700 morreram de desidratação, com os corpos sendo jogados em plataformas de estações ou nos campos. Ao todo, entre 13 mil e 15 mil pessoas morreram.
O jornalista italiano Curzio Malaparte, que por acaso estava em visita a Jassy na época, acordou na manhã seguinte:
Fui até a janela e olhei para a rua Lapusneanu. Espalhados por ali havia corpos humanos em estranhas posições. Os bueiros estavam cobertos de cadáveres amontoados uns sobre os outros. Centenas de corpos estavam jogados no pátio da igreja. Bandos de cães rodeavam, ressabiados, farejando os mortos à procura de seus donos; pareciam cheios de pena e respeito; moviam-se em torno daqueles pobres cadáveres com delicadeza, como se não quisessem pisar naqueles rostos sanguinolentos ou naquelas mãos rígidas. Equipes de judeus, vigiados por soldados e policiais armados de metralhadoras, faziam o trabalho de por os corpos para um dos lados, abrindo o meio da estrada e empilhando os cadáveres ao longo das paredes para liberar o tráfego. Caminhões alemães e romenos carregados de corpos continuavam partindo. Uma criança morta estava sentada na calçada perto da lustrageria, as costas apoiadas na parede e a cabeça caída no ombro [...] A estrada estava atulhada de gente — hordas de soldados e policiais, grupos de homens e mulheres e bandos de ciganos de cabelos longos e anelados conversavam entre si divertida e ruidosamente enquanto pilhavam os mortos, erguendo-os, rolando-os, virando-os de lado para tirar seus casacos, calças e roupas de baixo; pés eram prensados sobre barrigas mortas para ajudar a arrancar os sapatos; pessoas acorriam para participar do butim; outros se afastavam com pilhas de vestuário nos braços. Era um alvoroço alegre, uma ocasião feliz, uma festa e um mercado, tudo ao mesmo tempo.
(Mark Mazower, “O Império de Hitler”, Ed. Companhia das Letras, 2013, págs. 396/397)
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Execução do general-ditador Ion Antonescu |
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023
Mirmídones
Insuperável. Essa e outras preciosidades humorísticas que geraram gritos de alegria no Palácio de Esportes repleto de mirmídones passarão de um século a outro – a não ser que o pudor humano o impeça. Pois não há, de fato, algo que ofende insuportavelmente o pudor, algo de idiotamente obsceno, em ser tão engraçado diante das condições do mundo atual, condições pelas quais o senhor Hitler deve se sentir responsável? Deveras, esse é o momento oportuno para se fazer piadas idiotas! Calamidades e angústias, caçadas humanas, expatriações, desespero e suicídio, sangue e lágrimas enchem a Terra. Nações orgulhosas de suas histórias, nações às quais a humanidade muito deve e que viviam em bem-estar, encontram-se despedaçadas, violentadas, pilhadas. Outras conduzem uma batalha de vida ou morte para impedir tal destino. Outras ainda se veem obrigadas a sacrificar suas liberdades à liberdade e empregar todos os seus recursos na preparação para a batalha. O próprio povo alemão, que há oito anos vive em guerra e em péssimas condições, em meio a um continente destroçado, ameaçado pela fome e pelas epidemias, olha com um horror secreto para um futuro que lhe promete apenas guerra, uma guerra após a outra, uma guerra interminável, uma privação interminável e ao mesmo tempo o ódio e a maldição do mundo. Seu líder, no entanto, faz gracejos com isso.Essa foi uma das razões pelas quais o discurso causou uma impressão tão abominável aqui. Outra coisa que causa má impressão, e há muito tempo, é a vaidade infantil desse homem que o faz dizer “eu” sem parar e sem se dar conta de que essa ênfase na primeira pessoa, exatamente no caso de sua pessoa, é uma insuportável falta de gosto e de tato, tanto estética quanto moral. Pois é intolerável que alguém em cuja pele ninguém gostaria de estar diga constantemente “eu”.
segunda-feira, 28 de março de 2022
"O Show de Truman" e o direito de mudar de vida
segunda-feira, 24 de maio de 2021
"Fake news" nos tempos de Jesus
No relato da ressurreição de Jesus Cristo segundo Mateus, capítulo 28, quando se torna claro como a luz do sol, para as autoridades políticas e religiosas de plantão, que o túmulo está vazio e não há explicação lógica para isto, uma ideia das trevas lhes vem à cabeça.
Por que não criar uma versão alternativa que justifique o túmulo vazio?
As coisas aconteceram rápido naquela manhã de domingo em Jerusalém.
Quando o poder acordou, já era tarde demais.
Até o versículo 11 de Mateus 28, o cenário da ressurreição já está consumado: mulheres em busca do Cristo, terremoto, anjo, pedra da entrada movida, guardas em desespero, Jesus aparece às mulheres e lhes dá uma nova missão, o convite para um encontro na Galileia, e somente aí os soldados da guarda - despertos do choque - correm para contar o ocorrido às autoridades religiosas.
O pânico se instaura nos altos círculos do poder religioso, e antes que o poder político pudesse imaginar, são essas autoridades que, nos versículos seguintes, tramam o plano com os soldados, urdindo as "fake news" de que se estes perguntados fossem por seus superiores, diriam que o corpo fora roubado pelos discípulos durante a noite.
Algo precisava ser feito urgentemente, para que o poder não se lhes escapasse, nem que fosse mentiroso, paliativo e temporário.
Como deixa claro o ditado popular, "a mentira tem perna curta", e as "fake news" servem para um propósito imediato com prazo de validade. Mais cedo, ou mais tarde - inevitavelmente - a verdade prevalecerá.
É triste ver como muitos líderes religiosos, hoje em dia, não aprenderam a lição.
Talvez lhes tenha escapado o versículo 11 do Salmo 63: "as bocas dos mentirosos serão lacradas" (versão King James Atualizada em português).
Ainda nesta versão bíblica, "prestei atenção e ouvi; contudo, eles não falam o que é verdadeiro. Ninguém deseja se arrepender de sua impiedade e ainda alegam: 'O que foi que eu fiz?' Cada um se desvia e segue seu próprio e costumeiro caminho, como um cavalo que se lança no ímpeto da batalha" (Jeremias 8:6).
Voltando àquela manhã da ressurreição, ninguém sabe dizer realmente o que ocorreu com os guardas e as autoridades religiosas e políticas depois de constatarem a tumba vazia, a não ser que - de uma forma ou outra - foram atropelados não por cavalos mas pela realidade que quiseram falsear.
Terminaram lacrados.
O fato é que mundo nunca mais foi o mesmo a partir de então.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021
Quando a tentação é ser bom

E assim como a lei de países civilizados pressupõe que a voz da consciência de todo mundo dita "Não matarás", mesmo que o desejo e os pendores do homem natural sejam às vezes assassinos, assim a lei da terra de Hitler ditava à consciência de todos: "Matarás", embora os organizadores dos massacres soubessem muito bem que o assassinato era contra os desejos e os pendores normais da maioria das pessoas. No Terceiro Reich, o Mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o reconhecem - a qualidade da tentação. Muitos alemães e muitos nazistas, provavelmente a esmagadora maioria deles, deve ter sido tentada a não matar, a não roubar, a não deixar seus vizinhos partirem para a destruição (pois eles sabiam que os judeus estavam sendo transportados para a destruição, é claro, embora muitos possam não ter sabido dos detalhes terríveis), e a não se tornarem cúmplices de todos esses crimes tirando proveito deles. Mas Deus sabe como eles tinham aprendido a resistir à tentação.(p. 167)
terça-feira, 8 de setembro de 2020
Testemunho de verdade
Pedindo desculpas por retomar o trágico e grotesco "espetáculo" do caso Flordelis, o fato é que aquela aberração continua rendendo manchetes vergonhosas que têm causado muita revolta em denominações que se julgam "perseguidas" após se considerarem atingidas - ainda que marginalmente (com o perdão do péssimo trocadilho) - pelo mar de lama que avançou impiedosamente sobre os arraiais evangélicos.
“(A testemunha) narra episódio em que sua ex-supervisora, em meados de 2007, ao aceitar o convite feito pela declarante e visitar a igreja de Flordelis, reconheceu a pastora como sendo frequentadora da mesma casa de swing que ela frequentava”. “Complementando, inclusive, que a então pastora tinha um quarto exclusivo ali.”
João 3:32 E aquilo que ele viu e ouviu, isso testifica; e ninguém aceita o seu testemunho.João 5:32 Há outro que testifica de mim, e sei que o testemunho que ele dá de mim é verdadeiro.João 8:18 Eu sou o que testifico de mim mesmo, e de mim testifica também o Pai, que me enviou.João 21:24 Este é o discípulo que testifica dessas coisas e as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro.1ª João 5:6 Este é aquele que veio por água e sangue, isto é, Jesus Cristo; não só por água, mas por água e por sangue. E o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade.Apocalipse 22:20 Aquele que testifica estas coisas diz: Certamente, cedo venho. Amém! Ora, vem, Senhor Jesus!
quarta-feira, 26 de agosto de 2020
Escandalosa hipocrisia
terça-feira, 9 de junho de 2020
Black Lives Matter
