quarta-feira, 1 de março de 2023

Quando até os animais se desorientam diante da perversidade humana

 


Um dos massacres (pogroms) mais perversos e emblemáticos da Segunda Guerra Mundial ocorreu na cidade de Jassy (“Iași” – se pronuncia “iáshi”), na Romênia.

Pogrom é a transliteração da palavra originada do russo погром, que se incorporou ao léxico de todos os idiomas mais falados do planeta, e que significa a perseguição violenta e deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovada, tolerada ou incentivada pelas autoridades locais, especialmente contra os judeus.

Sinônimo de genocídio, portanto.

A maldade alcançou magnitude tão inimaginável no pogrom de Iași que nem os animais — no caso os cachorros — conseguiram lidar com tamanho terror.

A Romênia era aliada da Alemanha nazista, e o general Ion Victor Antonescu (1882-1946), inicialmente seu primeiro-ministro desde 1940, depois ditador ("conducător", que quer dizer “condutor”), enviou as tropas romenas para se aliarem às alemãs na invasão da União Soviética lançada na madrugada de 22 de junho de 1941 e que ficou conhecida como “Operação Barbarossa”.

Houve uma resistência inicial do exército vermelho estacionado na então limítrofe república soviética da Moldávia, que bombardeou a cidade fronteiriça romena de Iași, onde havia muitos grupos fascistas e antissemitas.

A retaliação das autoridades e da população local contra os judeus foi imediata, acusando-os de serem “traidores comunistas”.

Há testemunho de sobrevivente em vídeo de que — um dia antes do início do massacre — foram distribuídos folhetos com a frase “judeu bom é judeu morto”.

Judeus sendo conduzidos à morte pelas ruas de Iași

O pogrom de Iași ocorreu entre os dias 28 de junho e 6 de julho de 1941, tornando-se um dos primeiros atos abomináveis do holocausto judeu que ceifou milhões de vidas e horrorizou o mundo.

Estima-se que dos 728 mil romenos judeus (4% do total da população) antes da guerra, pelo menos 270 mil foram exterminados naquele período tenebroso, e não só por alemães nazistas.

No pós-guerra, Antonescu foi julgado, condenado à morte e executado por fuzilamento no dia 1º de junho de 1946, por crimes como o genocídio iniciado em Iași, descrito com tintas fortes por Mark Mazower em seu livro “O Império de Hitler”:

Na véspera da Barbarossa, Antonescu encontrou-se outra vez com Hitler, e pouco depois organizou unidades especiais para instigar a limpeza étnica na região norte do país. Em particular, deu instruções específicas ao Exército e ao Ministério do Interior para organizar a “evacuação” de 45 mil judeus na cidade fronteiriça de Jassy, e as preparações, baseadas em eventos semelhantes mas de menor escala do ano anterior, logo foram concluídas. As portas das casas dos cristãos na cidade foram marcadas com uma cruz para ser diferenciadas, e espalharam-se rumores intencionais de que paraquedistas soviéticos haviam pousado na cidade. Quando o pogrom eclodiu, na noite de 28 para 29 de junho, soldados, policiais, guardas e centenas de civis invadiram as ruas, arrombando casas e levando os moradores presos para o quartel-general da polícia. Muitos judeus forma atacados e mortos no local, mulheres foram estupradas. Mais de mil foram fuzilados no interior do quartel-general da polícia quando os alemães abriram fogo a esmo. Alguns dos sobreviventes foram espancados e torturados antes de ser tangidos para vagões sem ventilação, excedendo a capacidade em três vezes, entre corpos vivos e mortos. Enquanto o trem transportava lentamente sua carga humana pelas planícies no calor do verão, mais de 2700 morreram de desidratação, com os corpos sendo jogados em plataformas de estações ou nos campos. Ao todo, entre 13 mil e 15 mil pessoas morreram.

O jornalista italiano Curzio Malaparte, que por acaso estava em visita a Jassy na época, acordou na manhã seguinte:

Fui até a janela e olhei para a rua Lapusneanu. Espalhados por ali havia corpos humanos em estranhas posições. Os bueiros estavam cobertos de cadáveres amontoados uns sobre os outros. Centenas de corpos estavam jogados no pátio da igreja. Bandos de cães rodeavam, ressabiados, farejando os mortos à procura de seus donos; pareciam cheios de pena e respeito; moviam-se em torno daqueles pobres cadáveres com delicadeza, como se não quisessem pisar naqueles rostos sanguinolentos ou naquelas mãos rígidas. Equipes de judeus, vigiados por soldados e policiais armados de metralhadoras, faziam o trabalho de por os corpos para um dos lados, abrindo o meio da estrada e empilhando os cadáveres ao longo das paredes para liberar o tráfego. Caminhões alemães e romenos carregados de corpos continuavam partindo. Uma criança morta estava sentada na calçada perto da lustrageria, as costas apoiadas na parede e a cabeça caída no ombro [...] A estrada estava atulhada de gente — hordas de soldados e policiais, grupos de homens e mulheres e bandos de ciganos de cabelos longos e anelados conversavam entre si divertida e ruidosamente enquanto pilhavam os mortos, erguendo-os, rolando-os, virando-os de lado para tirar seus casacos, calças e roupas de baixo; pés eram prensados sobre barrigas mortas para ajudar a arrancar os sapatos; pessoas acorriam para participar do butim; outros se afastavam com pilhas de vestuário nos braços. Era um alvoroço alegre, uma ocasião feliz, uma festa e um mercado, tudo ao mesmo tempo.

(Mark Mazower, “O Império de Hitler”, Ed. Companhia das Letras, 2013, págs. 396/397)

Execução do general-ditador Ion Antonescu



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